segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

O preconceito de gênero na pesquisa médica

[texto de Peter Rogers]
Apesar dos ganhos significativos da igualdade de gênero nas últimas décadas, o preconceito ainda reina na área médica. A falta de representação feminina nos estudos pré-clínicos e em testes clínicos tem colocado as mulheres em maior risco de adversidades em intervenções médicas. Mas há uma luz no fim do túnel.
Levar em consideração as mulheres – além dos homens -  e suas especificidades em estudos científicos pode parecer óbvio hoje, quando nós temos evidência da suscetibilidade e severidade em variadas doenças presentes nos dois sexos e as respostas de cada um aos medicamentos e tratamentos. Mas isso nem sempre foi assim.

Muita variação

As diferenças entre os sexos ou dimorfismo sexual é uma adaptação evolucionária chave na maioria das espécies. Em muitos países a expectativa de vida das mulheres é maior, em média, que a dos homens.
Não sendo surpresa que após milhões de anos de evolução, diferenças fundamentais existam em muitos aspectos da nossa biologia. As diferenças entre os sexos têm sido documentada em doença cardiovascular e acidente vascular cerebral, síndrome da fadiga crônica, asma e diversos tipos de câncer.
As diferenças biológicas incluem variação em genética e fatores fisiológicos como o encurtamento dos telômeros, herança mitocondrial, respostas celulares e hormonais ao estresse e função imune, entre outras coisas. Esses fatores podem contar como uma parte da vantagem feminina na expectativa de vida
Pesquisas tem encontrado diferenças de gênero em doenças auto-imunes como artrite reumatoide, lúpus e esclerose múltipla e distúrbios psicológicos como transtorno bipolar, esquizofrenia, autismo, transtornos alimentares, déficit de atenção e hiperatividade.
A artrite reumatóide por exemplo, é duas vezes mais comum em mulheres do que em homens. Um estudo encontrou que enquanto o risco relativo de esquizofrenia é maior em homens acima de 39, para mulheres esse risco é maior acima dos 50 anos.

Mas por quê?

As razões para essas diferenças são várias e complexas – de origens comportamentais e sociais, como por exemplo,  fumar e idealizar a imagem corporal são coisas diferentes no homem e na mulher – podendo explicar parcialmente as diferenças em doenças como câncer de pulmão e transtornos alimentares.
As diferenças fisiológicas comuns como contagem mais baixa de células vermelhas podem estar por trás da recuperação menor das mulheres após um AVC (acidente vascular cerebral), bem como sua tendência a ter esse evento numa idade mais avançada.
Diferenças biológicas também existem dentro dos neurônios dopaminérgicos do cérebro e podem explicar a prevalência variada de condições neurológicas. Já as diferenças genéticas entre os sexos podem contribuir para uma maior mortalidade de homens com idades abaixo de vinte anos em diversas doenças.
Homens e mulheres diferem também na sua resposta aos tratamentos medicamentosos – com as mulheres apresentando uma incidência maior de reações adversas, bem como respostas diferentes aos medicamentos.
As diferenças sexuais na composição do corpo são atribuídas às ações dos hormônios sexuais, os quais formam as diferenças de gênero durante a puberdade. O estrogênio, por exemplo, é importante não somente na distribuição da gordura do corpo, mas também nos padrões do desenvolvimento ósseo feminino, o qual predispõe as mulheres a um risco maior de osteoporose na terceira idade.

Será que realmente importa?

Nas últimas duas décadas, o maior órgão financiador de pesquisas biomédicas  nos Estados Unidos, o The National Institute of Health (NIH), tem se preocupado  com estudos que envolvem testes tanto para homens quanto para mulheres. No entanto, em muitos outros países não existe essa preocupação.
Mas esse quadro tenderá a mudar com os recentes avanços na ciência médica, que têm trazido novos conceitos como a “Medicina de Precisão”, a qual reconhece que a variabilidade existe não somente entre os sexos, mas entre os indivíduos.
Assim, o objetivo agora  é assegurar que cada paciente receba tratamento correto no tempo certo, com um mínimo de efeitos colaterais. As mulheres podem ter sido negligenciadas pela pesquisa médica por duas décadas, mas o avanço atual da tecnologia obrigatoriamente a direciona para o benefício dos indivíduos.

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